domingo, 6 de janeiro de 2008


ela se abaixa e pega do chão pecinha por pecinha da redoma de vidro.
- foi sem querer, papai, eu juro que foi.
e tinha sido mesmo. sem pensar.
um segundo em que se para de pensar é um segundo em que o coração toma conta.
e o corpo faz o que a alma manda.
a alma da rosa a mandou derrubar sua redoma. espatifadas, agora.
a redoma, a rosa.
- eu posso colar, papai, eu juro que posso.
ela não pode. mas tenta.
com cuidado, cola e carinho, junta os pedaços do quebra-cabeça de vidro que um dia foi seu lar.
um pouco de cuspe, talvez, resolva.
mas não. esse tipo de vidro, esse
forjado tão cuidadosamente não pode ser colado.
- super bonder, papai?
a rosa chora. perde pétalas.
não entende que as decisões da alma são irreversíveis.
a redoma não pode ser consertada. nunca.
mas se ela parar de chorar, vai perceber.
que a mesa em que a redoma estava apoiada
continua lá.
firme.
sempre.
madeira, não vidro.
madeira.
sempre.



- eu posso voltar sempre que quiser, papai?





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mas a rosa nem fica tão triste assim.
porque da janela do quarto escuta a voz dele,
chamando de longe.





...





e são cheiros, e sons, e toques.
como jamais vistos na história do mundo.
sentir sem pensar.
linhas tecidas de olhares e línguas.
corpo como abrigo.
alma, alimento.
certezas sagradas.
e ela gosta de se sentir insegura.
porque ele a põe entre os braços e traz de volta a segurança;
e ela gosta de sentir a falta.
essa ausência que sente nas entranhas.
dor e alívio,
porque as horas passam,
ainda bem que as horas passam.
e de repente já podem se ver de novo.
novas cores,gostos novos.
novas sensações,
e tudo de novo.
e de uma outra história, num outro livro, de outra estante,
o peter pan acha o caminho até a rosa.
a salva da redoma quebrada.
nunca mais pisam em livro algum.
por isso a história deles não termina.
e é só isso.

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