terça-feira, 1 de abril de 2008

No quarto escuro com "A"

Deitado em sua cama, o garoto olhava o teto. Estava no escuro. E, como lá fora, a lua estava cheia, pequenos pingos da sua claridade conseguiam romper a barreira da persiana, metendo-se pelas frestas. O menino podia, então, distinguir o teto na escuridão. Mas, enquanto o olhava, o que ele queria mesmo era achar uma palavra para definir o tal sentimento. E por que a presença dele agora, de repente, era tão grande? O que havia feito finalmente acreditar? E tão rápido e subitamente? De onde vinha a tal fé? Se pelo menos pudesse enxergar Aquele que o inspirara. Não em formas tristes e cheias de sangue. Não em estátuas pesadas ou ocas. Mas, assim... bem ali, ao seu lado.Cansado do quarto, resolveu transpor os limites do teto. Imaginou-se no telhado e, num pulinho, alcançava as estrelas. Encontraria Ele lá? E como não pôde achá-lo pela Via Láctea, sentou-se em um dos cometas. E de cima olhou para a Terra, azul, envolta numa névoa branca, quase transparente. E ela girava e girava. Devagar, quase imperceptível. Constatar aquele movimento não era o mesmo que vê-lo? E se, em vez de Ele, fosse Ela. E não ela a mulher, a feminina, mas como ela A força, A criadora, A que dá vida e protege. A, o primeiro de todos, ao qual os outros seguem. O garoto, então, se imaginou no centro da Terra, numa fonte. Onde a água nascia? Como podia surgir tudo aquilo assim, do nada? "A" havia de exixtir, sim! Ele sentia. Ele mesmo era prova disso. E de um outro salto foi para dentro de si próprio. Seu sangue, suas veias... Seus órgãos, sua carne. E se movimentavam também! Se coração pulsava sem que ele lhe ordenasse. A cada dia cresciam pêlos pelo seu corpo. Sua voz começava a engrossar. Constatar esses movimentos não seria o mesmo que vê-la? E, aborrecido com todo aquele devaneio, resolveu pular da cama, de verdade, e abrir a janela. E viu a lua logo ali, prenha que só. As estrelas cada qual em seu canto. Ooops, uma passou lá no alto, riscando o céu. Uma estrela cadente! Mais uma prova, talvez? Ou não. A astronomia tinha melhores explicações. A ciência, tantas outras. E quem lhe explicaria o sentimento? Que não viesse dos homens vestidos de preto, nem das mulheres cobertas dos pés à cabeça, menos ainda dos que falavam na televisão com o microfone na mão. Queria uma explicação sua, que descobrisse por si mesmo. Óbvia e palpável. O garoto respirou fundo o cheiro da noite. Um vaga-lume passou suspenso no ar. Acendia, apagava. Como a luz pequena de um pensamento difícil. E, de repente, ele não sabia mais o que era sonho e o que era realidade. Se estava dormindo ou acordado. E em meio a essa confusão, num piscar de olhos, o menino sentiu A, tão perto, ali a seu lado. Usufruindo com ele aquele momento. Mostrando-se toda, sem que se deixasse ver. E uma voz mais velha, dentro de si, sussurou: "É assim mesmo, num instante a certeza é maior, noutro, menor... mas ela sempre vem se a gente precisa, pede e A aceita."

Um comentário:

Anônimo disse...
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