quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Misto-Quente


trechos de Misto-Quente,
de um dos melhores autores já existentes no mundo.
Charles Bukowski.

muita gente diz que não há valor algum na literatura dele, dizem que é literatura pra jovens desajustados e drogados.
mas a simplicidade aparente do texto, essa coisa de narrar diretamente os fatos, quase que de uma forma auto biográfica (o henry chinaski, personagem principal de vários livros dele, é sabidamente um alter-ego do autor...) é um estilo, uma arquitetura própria... escrita não convencional não quer dizer falta de lirismo!
bom, esqueçam.
eu sou realmente paga-pau da contra-cultura beatnik, e mesmo que o bukowski não seja considerado oficialmente um beat (não participou do movimento, conhecia os caras mas não se envolveu, etc, etc) geralmente quem lê encontra semelhanças de estilo e sentimentos, e acaba considerando ele um beat também.
claro que ele odiava isso.
de qualquer forma, eu coloquei os trechos que me fazem perceber que não, eu não sou maluca, existem pessoas que se sentiram e que se sentem como eu,
e se até charles bukowski pode se sentir assim,
porque não eu?


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"... o problema era que você precisava ficar escolhendo entre uma opção horrível e outra pavorosa, e independente da sua escolha, eles cortavam mais um pedaço da sua carne, até que não restasse mais nada para descarnar. por volta dos 25 anos, a maioria das pessoas estava liquidada. uma maldita nação inteira de desgraçados dirigindo carros, comendo, tendo bebês, fazendo todas as coisas da pior maneira possível, como votar em candidatos a presidência que os fizessem lembrar de si mesmos.
eu não tinha interesses. eu não tinha interesse por nada. nao fazia a mínima idéia de como ia escapar. os outros, ao menos, tinham algum gosto pela vida. pareciam entender algo que me era inacessível. talvez eu fosse retardado. era possível. frequentemente me sentia inferior. queria apenas encontrar um jeito de me afastar de todo mundo. mas não havia lugar pra ir. suicídio? jesus cristo, apenas mais trabalho. sentia que o ideal era poder dormir por uns cinco anos, mas isso eles não permitiriam..."


"... e minhas questões pessoais continuavam tão más e lamentáveis quanto no dia em que nasci. a única diferença era que agora eu podia beber de vez em quando, embora nunca o suficiente. a bebida era a única coisa que impedia um homem de se sentir pra sempre atordoado e inútil. todo o resto ia furando e furando sua carne, arrancando seus pedaços. e nada tinha o menos interesse, nada. as pessoas eram limitadas e cuidadosas, todas iguais. e eu teria que viver com esses fodidos pelo resto da minha vida, pensei. deus, todos eles tinham cus e orgãos sexuais e bocas e sovacos. cagavam e tagarelavam, e todos eram tão inertes como esterco de cavalo. as garotas pareciam legais a certa distãncia, o sol resplandecendo em seus vestidos, em seus cabelos. mas vá se aproximar e ouvir seus pensamentos escorrendo boca afora, voce vai sentir vontade de cavar um buraco ao sopé de uma colina e se entrincheirar com uma metralhadora. eu certamente nunca conseguiria ser feliz, me casar, nunca teria filhos. inferno, eu nem mesmo conseguia um emprego como lavador de pratos. talvez eu pudesse me tornar ladrão de banco. alguma coisa bem fodida. alguma coisa flamejante, fogosa. só se vive uma vez. por que ser limpador de vidraças? acendi um cigarro e segui descendo a ladeira. será que eu era a única pessoa que perdia tempo pensando nesse futuro sem perspectivas?..."


"... a vida das pessoas sãs, dos homens comuns, era uma estupidez pior que a morte. parecia não haver alternativa possível. a educação também parecia uma armadilha. a pouca educação que eu tinha me permitido havia me tornado ainda mais desconfiado. o que eram médicos, advogados, cientistas? apenas homens que tinham permitido que sua liberdade de pensamento e a capacidade de agir como indivíduos lhes fosse retirada.
voltei pro meu barracão e enchi a cara. "





"Que tempos penosos foram aqueles anos - ter o desejo e a necessidade de viver, mas não a habilidade."

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