segunda-feira, 3 de março de 2008

Ressaca e García Márquez


uma dessas manhãs sonolentas cheias de calor. você acorda com um gosto ruim na boca e toda suada. manhãs de ressaca.
numa dessas, virei pro lado - em uma inútil tentativa de achar posição que diminuísse os coices furiosos que um rinoceronte suicida e/ou possuído pelo demônio dava dentro da minha pobre cabeça - e dei de cara com ele.
a partir daí, minha manhã nojenta de ressaca se transforma num quase conto de García Márquez - saca aquelas paradinhas de realismo fantástico e coisa e tal?
porque em vez de levantar cambaleante, ligar o ventilador murmurando "meu mundo por um ar condicionado" na língua ininteligível dos seres de ressaca matinal, tirar os sapatos que invariavelmente continuariam ainda no meu pé, e puxar o cobertor pra me aconchegar no quase divino chão gelado, soltando um enorme "AHHH" de alívio seguido de um enorme "AAAHHH MERDA" causado pela pata dianteira do meu amigo rinoceronte suicida e/ou possuído pelo demônio...
eu, ilogicamente, sem sequer pensar sobre o fato, abracei o ser que dormia do meu lado. e isso foi bom.
se alguém aí já teve uma manhã de ressaca, sabe que a última coisa da qual se tem necessidade é um "ser dormindo ao seu lado em sua cama de solteiro".
pois foi isso.
numa manhã de ressaca recebi um sinal apoteótico induzido pelo vinho e entendi o segredo do universo.
o Amor é;
acordar com um gosto ruim na boca e toda suada.
virar e dar de cara com Ele.
reparar o quanto ele tem carinha deliciosa de bebê indefeso quando dorme.
reparar que existe um copo de água pra você do lado da cama.
reparar que ainda tem o último cigarro na carteira de lucky strike.
meio amassado, verdade, mas sua cara também está, pode apostar.
você então suspira num quase gozo de felicidade, tira as remelas, bebe a água, acende o cigarro e imagina que pra tudo ser perfeito só faltava uma mangueira ligando sua pobre bexiga cheia até o vaso sanitário. mas aí nem García Márquez, minha filha.
claro que você faz tudo isso no lastimável estado "zumbi apoplético da manhã", inclusive apagar o cigarro em um lugar que tanto pode ser um cinzeiro quanto a capa daquele seu cd raro dos Beatles.
mas o que importa é que você percebe que o tal do rinoceronte suicida e/ou possuído pelo demônio se casou e teve 42 filhos, todos suicidas e/ou possuídos pelo demônio, todos alegres e contentes de morarem em sua cabeça, pois é oca e tem mais espaço pra eles brincarem.
porém, continuando seu momento de revelações divinas, você também percebe que sua dor de cabeça dos infernos é facilmente diminuída na presença do cheiro de suor doce, sexo e cigarro que ele tem de manhã cedo.
Amor.
quem diria que é tão simples?
depois disso ele semi acordou, nos comunicamos na língua dos zumbis apopléticos de ressaca matinal, e decidimos que a manhã estava linda demais, e que a única forma inteligente de aproveitá-la era dormindo por mais umas duas semanas.
e dormimos mesmo.

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